Você já se perguntou o que faz de você… você? Aquilo que chamamos de “eu”, de identidade, de consciência — o que é isso, afinal? Subjetividade é o nome que a filosofia, a psicologia e as ciências humanas dão a essa questão central: como se constitui um sujeito? Como pensamos, sentimos, agimos e como tudo isso é moldado pela cultura, pela linguagem, pelo poder?
Longe de ser uma essência pura ou uma alma imutável, a subjetividade é uma construção histórica, social e política. Neste artigo, vamos explorar diferentes formas de entender o que é ser sujeito e por que isso importa tanto no mundo contemporâneo.
Subjetividade na filosofia clássica: o sujeito racional
Durante séculos, a subjetividade foi pensada como algo interior e racional. A famosa frase de Descartes — “Penso, logo existo” — resume bem essa ideia: o sujeito seria uma consciência autônoma, capaz de conhecer o mundo por meio da razão.
Nesse modelo, o sujeito é:
- Individual;
- Universal (todos os sujeitos seriam estruturalmente iguais);
- Dono de si, separado do corpo e da sociedade.
Essa concepção influenciou fortemente o Iluminismo, a ciência moderna e os ideais de liberdade e cidadania. Mas será que esse sujeito autônomo representa todas as formas de existência?
A crise do sujeito moderno: Nietzsche, Freud e Marx
No final do século XIX, essa imagem sólida do sujeito começou a ruir. Três pensadores abalaram suas bases:
- Nietzsche mostrou que a razão não é neutra — está atravessada por vontades de poder e pulsões inconscientes. O “eu” seria, na verdade, uma ficção útil.
- Freud revelou que grande parte de nossos desejos, medos e comportamentos vêm do inconsciente. O sujeito não é senhor de si: é dividido, conflituoso.
- Marx apontou que a subjetividade é moldada pelas condições materiais, econômicas e pelas relações de classe. O modo como nos vemos no mundo está atravessado pela ideologia.
Aqui, começa a ideia de que a subjetividade não nasce pronta — ela é produzida.
Foucault: a subjetividade como efeito do poder
Michel Foucault leva essa crítica ainda mais longe. Para ele, o sujeito não é anterior ao poder, mas é constituído por ele. Somos moldados por instituições (escola, hospital, prisão), por discursos (científicos, jurídicos, religiosos), por normas sociais que definem o que é “normal” e o que é “desviante”.
Foucault não está dizendo que somos marionetes, mas que o “eu” é formado por práticas históricas que variam no tempo e no espaço. O sujeito, portanto, é um efeito — não uma origem.
“O indivíduo é o efeito do poder, e também o ponto de reversão onde ele pode se recusar.”
(Foucault)
Butler, Preciado e a subjetividade dissidente
A partir de Foucault, pensadores contemporâneos como Judith Butler e Paul B. Preciado ampliaram a crítica à subjetividade, especialmente nas questões de gênero, sexualidade e corpo.
- Judith Butler afirma que o gênero não é uma essência, mas uma performance reiterada. Ser “homem” ou “mulher” é o resultado de atos repetidos, regulados por normas sociais — não algo que “se é” desde sempre.
- Preciado vai além, ao mostrar como a subjetividade contemporânea está moldada por tecnologias farmacológicas, pornográficas, biomédicas. Ele fala de uma “subjetividade tecnopolítica”, produzida por hormônios, cirurgias, mídias e dispositivos de controle.
Esses autores desafiam a ideia de que existe um “eu verdadeiro” esperando para ser revelado. Em vez disso, mostram que a subjetividade é um processo, muitas vezes conflituoso, mas também cheio de potencial criativo e político.
Subjetividade como campo de luta
Se a subjetividade é produzida, então ela também pode ser transformada. Por isso, pensar a subjetividade é um ato político. Em vez de aceitar as formas de ser impostas pela sociedade, podemos perguntar:
- Quem tem o direito de ser sujeito pleno?
- Quais subjetividades são reconhecidas — e quais são apagadas?
- Como resistir às normas que nos adoecem?
- Como inventar formas de vida que escapem da norma?
A subjetividade, então, deixa de ser apenas um conceito filosófico — e se torna uma prática de liberdade.
Conclusão: ser sujeito é ser inacabado
Não há uma essência do sujeito. Somos feitos de linguagem, memória, desejo, cultura, poder. Somos atravessados por histórias que não escolhemos — mas que podemos reinterpretar, resistir, reescrever.
Pensar a subjetividade é pensar o que pode um corpo, o que pode uma vida — e o que pode mudar quando ousamos ser de outro modo.