Quando pensamos em racismo, muitas vezes o associamos a atitudes individuais: ofensas, preconceitos, agressões diretas. Mas e quando o problema não está apenas no comportamento de algumas pessoas, e sim nas estruturas mesmas que organizam a sociedade?
Essa é a chave para compreender o que chamamos de racismo estrutural. Ele não se trata de um erro pontual a ser corrigido, mas de um sistema de organização social baseado na hierarquização racial, que molda desde as instituições do Estado até os afetos cotidianos.
Estrutura: o que sustenta o mundo
Chamar o racismo de “estrutural” é afirmar que ele não é um desvio, mas parte do próprio alicerce que sustenta a sociedade moderna. Como aponta o jurista e filósofo Silvio Almeida, o racismo está inscrito nas leis, na economia, na arquitetura das cidades, nos currículos escolares, nos algoritmos, nas imagens de sucesso e nos padrões de beleza.
Ele é o padrão invisível que define quem tem acesso à educação de qualidade, quem sofre violência policial, quem ocupa cargos de liderança, quem é constantemente interpelado por “você trabalha aqui?”, “posso te ajudar?”, “não era bem isso que eu quis dizer”.
O racismo como tecnologia de poder
O racismo estrutural não é um resquício do passado colonial e escravocrata — ele é o seu desdobramento contínuo. Como mostra Achille Mbembe, a modernidade ocidental construiu seu ideal de humanidade sobre a exclusão e exploração do negro. A liberdade de uns foi sustentada pela servidão de outros.
O racismo, assim, é uma tecnologia de poder, como diria Foucault: ele produz corpos descartáveis, populações controláveis, subjetividades colonizadas. Não se trata apenas de excluir, mas de governar pela desigualdade.
Frantz Fanon e a ferida colonial
Para Frantz Fanon, o racismo não apenas oprime do lado de fora — ele fere por dentro, afetando a autoestima, o desejo, a percepção de si. O sujeito negro é forçado a se ver com os olhos do colonizador, a calar sua dor, a adaptar-se a um mundo que o nega.
Essa ferida não é curada com boas intenções ou diversidade ilustrativa. Ela exige transformações profundas nas estruturas de poder, saber e linguagem.
O mito da meritocracia
Uma das formas mais sutis de perpetuar o racismo estrutural é a ideia de meritocracia: o mito de que “quem se esforça, consegue”. Mas como falar em mérito quando os pontos de partida são radicalmente desiguais? Quando o acesso à saúde, segurança, lazer e cultura é racialmente distribuído?
A meritocracia ignora o passado escravocrata, o presente discriminatório e a reprodução sistemática da exclusão. Ela transforma privilégios históricos em “méritos pessoais”.
Luta antirracista: mexer na estrutura
Combater o racismo estrutural não é apenas punir atitudes racistas. É mexer na estrutura: rever políticas públicas, democratizar o acesso à terra, à educação, à mídia, recontar a história, escutar vozes silenciadas.
É também questionar a branquitude — não como identidade biológica, mas como posição social que se constrói como norma universal e neutra, enquanto racializa os outros.
A luta antirracista, portanto, é de todos, mas não pode ser dirigida por quem sempre ocupou o centro. Requer escuta, descentralização e compromisso com a transformação real.
Conclusão: romper o alicerce
Reconhecer o racismo como estrutural é reconhecer que não basta pintar as paredes — é preciso rever o alicerce. Não se trata de melhorar um sistema que nasceu da desigualdade, mas de imaginar outras formas de viver, habitar, cuidar e conviver.
O racismo estrutural não cairá sozinho. Mas cada fissura aberta por vozes negras, por movimentos de base, por práticas insurgentes de existência, é um passo rumo à reconstrução radical do comum.