A história do século XX mostrou que o fascismo não se impôs apenas pela força. Ele foi desejado, aplaudido, abraçado por multidões. Hoje, quando ideias autoritárias voltam a circular com força em várias partes do mundo, a pergunta permanece urgente: por que o fascismo seduz?
Este artigo não busca explicações simplistas. Ele parte da ideia de que o fascismo não é apenas uma ideologia política, mas também uma estrutura afetiva. Um modo de organizar os desejos, os medos e as fantasias sociais.
O desejo por ordem
O fascismo promete algo profundamente sedutor: certeza em tempos de caos, identidade em tempos de crise, pertencimento em tempos de fragmentação. Quando tudo parece desmoronar — instituições, empregos, vínculos — o autoritarismo aparece como uma resposta simples para um mundo complexo.
Nesse sentido, o fascismo oferece um desejo de ordem: um líder forte, uma verdade absoluta, uma pátria idealizada, um inimigo claro. Ele transforma angústia em direção. E isso mobiliza afetos potentes — medo, orgulho, ressentimento.
A libido do ódio
Para Wilhelm Reich, que analisou o fascismo nos anos 1930, a adesão ao autoritarismo tem raízes na repressão sexual, moral e emocional. O sujeito oprimido por uma cultura rígida e patriarcal identifica-se com o poder que o oprime, canalizando seu sofrimento em forma de ódio ao outro — o estrangeiro, o “desviante”, o diferente.
Já Theodor Adorno, na obra A Personalidade Autoritária, mostra como o autoritarismo se alimenta de traços psicológicos que valorizam a obediência, a rigidez, a punição e o conformismo. A rigidez do eu encontra alívio na entrega ao líder.
O fascismo, assim, não elimina o desejo — ele o reconfigura como submissão, violência e identificação com a força.
O gozo da obediência
Pensadores contemporâneos como Laurent de Sutter ou Mark Fisher observam que, no capitalismo tardio, o sujeito está esgotado pelas exigências de liberdade e performance. O autoritarismo reaparece como um alívio perverso: alguém decide por você. O gozo não está apenas no ódio — está também na obediência.
O autoritarismo oferece a fantasia de um mundo ordenado, viril, “limpo”. Ele seduz justamente por isso: permite desejar sem pensar, gozar sem culpa, punir sem dúvida.
Inimigos imaginários, identidade real
O fascismo precisa de inimigos. Ele constrói “eles” (migrantes, comunistas, feministas, LGBTs, indígenas) para justificar o “nós”. Essa divisão gera uma identidade artificial, mas intensa. O medo do outro é transformado em coesão social — e o ódio em identidade coletiva.
É o que Achille Mbembe chama de “necropolítica”: o poder de decidir quem deve viver e quem pode morrer. O desejo autoritário é, muitas vezes, um desejo de ver o outro calado, apagado, eliminado.
Conclusão: desejo de quê?
O fascismo se apresenta como defesa, mas é resposta ao desejo mal resolvido, deslocado, explorado. Combatê-lo não é apenas argumentar contra suas ideias — é compreender seus apelos emocionais, suas promessas afetivas, e propor outras formas de imaginar a vida comum.
É preciso construir um desejo político que não busque segurança na exclusão, mas liberdade na diferença. Que transforme a angústia não em ódio, mas em escuta. Que ofereça pertencimento sem pureza, e futuro sem nostalgia.
Em vez de sufocar o desejo, precisamos reorientá-lo para o que emancipa — e não para o que aprisiona.