Prisões, hospitais, escolas, fábricas — durante séculos, essas instituições moldaram os corpos, os comportamentos e os desejos. Michel Foucault chamou esse modelo de sociedade disciplinar: uma organização do poder que funciona por confinamento, vigilância e normatização.
Mas e se o controle não precisasse mais de muros? E se a obediência não fosse mais imposta de fora, mas nascesse de dentro? E se as grades fossem substituídas por senhas, telas e algoritmos?
É exatamente isso que Gilles Deleuze propôs ao falar na emergência de uma nova era: a sociedade de controle.
Da disciplina ao controle
Foucault mostrou que o poder moderno não se exerce mais por meio da repressão explícita, mas por formas sutis de vigilância, normalização e docilização dos corpos. A escola ensina a sentar e obedecer, o hospital classifica, a prisão corrige, a fábrica cronometriza. Cada espaço tem sua regra, sua autoridade, seu método.
Essa lógica de confinamento cria indivíduos disciplinados, adaptados à ordem. Mas segundo Gilles Deleuze, esse modelo começa a se transformar no fim do século XX, dando lugar a algo mais fluido e invisível: o controle contínuo e descentralizado, que acompanha os sujeitos onde quer que estejam.
Não há fora: o controle é difuso
Na sociedade de controle, não é mais preciso trancar. O sujeito carrega sua própria cela — no celular, no cartão de crédito, no perfil digital. Os dados registram cada clique, cada deslocamento, cada escolha. E a vigilância não é mais centralizada: ela é distribuída, automatizada, personalizada.
As pessoas não obedecem a ordens diretas. Elas se autogerenciam, se autocorrigem, se antecipam às expectativas. O poder não proíbe — ele estimula, quantifica, ranqueia, gamifica. Somos continuamente convidados a melhorar, a otimizar, a render mais.
Controle e subjetividade
O controle age sobre os corpos, mas sobretudo sobre as subjetividades. Ele não diz “não pode” — diz “seja melhor”. A produtividade vira virtude. A transparência, um valor absoluto. O fracasso, uma culpa pessoal. Assim, o controle se infiltra como desejo, e não como imposição.
Essa lógica gera sujeitos hiperconectados, vigilantes de si mesmos, prontos para se adaptar, se expor e competir. A liberdade deixa de ser autonomia e vira exigência de performance.
O algoritmo como novo soberano
Hoje, os algoritmos são operadores centrais do controle. Eles filtram o que vemos, antecipam nossos interesses, moldam nosso comportamento de forma quase imperceptível. Aplicativos de saúde, produtividade, relacionamento e consumo nos monitoram em tempo real, gerando padrões que retroalimentam o sistema.
A punição raramente é explícita — mas é constante. Um perfil pode ser desmonetizado, invisibilizado, excluído de oportunidades. Não é necessário prender: basta desativar.
Conclusão: o desafio de escapar sem sair
Na sociedade de controle, não há muro a ser derrubado — há redes a serem desfeitas. A resistência não exige necessariamente revolta visível, mas atos mínimos de recusa, silêncio, opacidade, lentidão.
Pensar o poder hoje é pensar como ele atua nas dobras da liberdade, nos dispositivos que parecemos escolher, mas que nos moldam. A crítica não busca um retorno à disciplina — mas uma invenção de outras formas de viver, sentir e se relacionar com o tempo, com o corpo e com o outro.