“Meninas usam rosa, meninos azul.” “Homem de verdade não chora.” “Ser mulher é ser delicada.” Essas frases, tão comuns no cotidiano, mostram que o gênero não é algo que simplesmente ‘somos’ — mas algo que aprendemos a fazer.
Para a filósofa Judith Butler, gênero não é uma essência interior, uma verdade do corpo ou da alma. Gênero é performance — ou seja, um conjunto de atos repetidos, normas encenadas, gestos e linguagens que produzem a aparência de uma identidade estável.
Neste artigo, exploramos o que significa dizer que gênero é performance — e como isso abre espaço tanto para a normalização quanto para a resistência.
O gênero não nasce com o corpo
O senso comum costuma pensar o gênero como algo natural: se o corpo tem certas características biológicas, então o gênero correspondente seria óbvio. Mas essa ligação entre corpo e identidade é culturalmente construída.
Butler mostra que o gênero não é um reflexo automático do sexo biológico, nem uma escolha individual totalmente livre. É uma norma social repetida continuamente, com tanta força que parece natural — mas não é.
Performance: fazer, refazer, desviar
Chamar o gênero de performance não significa que ele é falso, como se fosse um teatro artificial. Ao contrário: significa que o gênero se constitui na ação, na repetição de certos gestos, posturas, afetos, roupas, modos de falar e de se comportar.
Esses atos, ao serem reiterados, criam a ilusão de um núcleo estável e essencial. Mas como toda performance, eles podem ser subvertidos, parodiados, desviados. A repetição abre margem para o erro, o excesso, o deslocamento — e é aí que entra a possibilidade de resistência.
Repetir diferente: o potencial da dissidência
Se o gênero é uma performance que precisa ser repetida para continuar existindo, então essa repetição nunca é idêntica. Cada nova encenação abre uma brecha para reconfigurar as normas, para quebrar o esperado e inventar o inédito.
Corpos trans, identidades não binárias, performances drag, expressões femininas fora dos padrões, homens que choram, mulheres que lideram — tudo isso interrompe a cadeia da repetição normativa e mostra que gênero não é destino, mas disputa.
Gênero e poder
As normas de gênero não existem no vazio: elas são mecanismos de poder, que distribuem valor, visibilidade e punição. Certas performances são recompensadas; outras, silenciadas, patologizadas ou criminalizadas.
Assim, questionar o gênero é também uma prática política, que desafia as formas como o corpo, o desejo e a vida são regulados. Não se trata apenas de “ser quem você é”, mas de construir possibilidades para que outras formas de existência sejam viáveis.
Conclusão: performar é criar mundo
Dizer que o gênero é performance não é negar sua importância ou profundidade. É justamente reconhecer que ele é feito — e, por isso, pode ser refeito.
Entre a repetição normativa e o desvio criativo, há espaço para resistência, reinvenção e liberdade. A performance de gênero não é apenas reflexo de quem somos — é também instrumento para imaginar quem podemos vir a ser.