O mundo do trabalho mudou radicalmente nos últimos séculos. Do chão de fábrica ao feed do Instagram, o que se espera do trabalhador — e o que ele espera de si — passou por uma metamorfose profunda. Hoje, mais do que força ou precisão técnica, exige-se visibilidade, criatividade, autenticidade e carisma. Nesse percurso, saímos da figura do operário industrial, símbolo da modernidade produtiva, para a figura do influenciador digital, ícone da economia da atenção. Mas o que isso diz sobre a relação entre trabalho e subjetividade?
Do operário: disciplina e anonimato
Na era industrial, o trabalho era marcado pela disciplina, repetição e anonimato. O operário executava tarefas fragmentadas, inserido em uma engrenagem maior que ele mesmo. O modelo taylorista-fordista de produção exigia corpos dóceis e previsíveis, como descreveu Michel Foucault.
A subjetividade do trabalhador era desvalorizada. Pensar, sentir ou criar não era parte da função. O corpo estava presente, mas a mente era ignorada — e, em muitos casos, reprimida. A luta política dos trabalhadores se dava pela redução da jornada, por melhores condições materiais, mas a própria identidade do sujeito operário era moldada pela ausência de voz individual.
Ao influenciador: exposição e empreendedorismo de si
No capitalismo contemporâneo — digital, neoliberal, imaterial — o trabalho já não se restringe a fábricas. Está nas redes, nas telas, nas casas, nas mentes. O novo trabalhador é empreendedor de si mesmo. E o influenciador digital é sua imagem mais visível.
Aqui, a subjetividade deixa de ser silenciada e passa a ser explorada como ativo econômico. Emoções, opiniões, estilo de vida e até a intimidade tornam-se conteúdo monetizável. Trabalha-se com a própria imagem, com a atenção alheia, com o afeto. A frase “faça o que ama” esconde uma lógica perversa: transformar o amor em produtividade e a identidade em mercadoria.
Do corpo ao eu como mercadoria
Se antes era o corpo que era alugado à fábrica, hoje é o “eu” que é colocado para trabalhar. O influenciador vende lifestyle, autenticidade e presença constante. Sua produtividade é medida por engajamento, alcance e relevância algorítmica. A linha entre vida pessoal e vida profissional praticamente desaparece.
Esse modelo é sedutor: ele promete liberdade, reconhecimento, autonomia. Mas também cobra autoexploração, competição permanente e exposição contínua. A precarização se disfarça de glamour. A insegurança é mascarada por filtros.
Subjetividade capturada
Autores como Byung-Chul Han e Maurizio Lazzarato apontam que vivemos uma era em que o sujeito se torna empresa de si mesmo, administrando sua própria marca, produtividade, estética e até saúde emocional como um produto em constante melhoria. O neoliberalismo não impõe mais, ele seduz — e nos convence de que fracassos são falhas pessoais, não problemas sistêmicos.
Assim, o trabalho contemporâneo já não se impõe apenas de fora, como obrigação. Ele coloniza o desejo. Queremos nos mostrar produtivos, interessantes, visíveis. A performance substitui o conteúdo. O cansaço deixa de ser físico e se torna afetivo e existencial.
Conclusão: do orgulho operário à ansiedade performática
A transição do operário ao influenciador não é apenas uma mudança de ofício — é uma mudança profunda na maneira como entendemos quem somos e o que vale nossa vida. O trabalho deixou de ser um simples meio de sobrevivência para se tornar uma plataforma de autoexpressão — e também de vigilância, comparação e ansiedade.
Mas enquanto o influenciador é símbolo do presente, o operário ainda existe — invisível, precarizado, terceirizado. Os dois mundos coexistem. E em ambos, a luta pela dignidade do trabalho permanece urgente.
Talvez o futuro não esteja em voltar ao passado, nem em celebrar o presente, mas em reconstruir novas formas de trabalhar que respeitem o tempo, o corpo e a subjetividade — sem torná-los mercadoria.