O amor está em crise ou foi capturado?
Vivemos num tempo em que tudo se transforma em mercadoria — inclusive os afetos. Relacionamentos são tratados como contratos emocionais, o “match perfeito” é uma promessa algorítmica, e a autonomia afetiva virou sinônimo de “não depender de ninguém”.
Mas será que esse modelo de amar é mesmo autêntico? Ou será que estamos adoecendo no amor porque ele já está atravessado por uma lógica de mercado?
Este artigo investiga como o capitalismo afeta nossa capacidade de amar, a partir de ideias de autores como Byung-Chul Han, Zygmunt Bauman, Freud, Lacan, Judith Butler e outros. O objetivo não é oferecer fórmulas, mas provocar uma pergunta urgente: o que o amor se tornou — e o que ainda pode ser?
1. O amor como performance de valor
No mundo capitalista, o valor das coisas (e das pessoas) se mede por performance, visibilidade e utilidade. Isso se infiltra nos afetos. Relações afetivas deixam de ser encontro e viram investimento:
- “Eu invisto meu tempo em quem me dá retorno.”
- “Quero alguém que me agregue.”
- “Relacionamento precisa dar resultado.”
O outro vira um objeto de consumo emocional, e o amor, um produto que precisa funcionar.
“Amar passou a significar funcionar bem com alguém — e não mais ser com alguém.”
– Livremente inspirado em Bauman e Han.
2. A lógica do desempenho e o fracasso afetivo
Byung-Chul Han, em A Sociedade do Cansaço, aponta que vivemos sob a tirania da positividade: somos pressionados a rendir bem em tudo — inclusive nos afetos. O amor se torna mais uma tarefa de alta performance.
E o que acontece quando a relação não atende às expectativas?
Culpa. Fracasso. Troca. Descarte.
Isso adoece, pois afasta o amor da sua natureza incerta, aberta, falha.
“Ninguém ama bem sob vigilância constante.”
3. Capitalismo e o esvaziamento do desejo
O capitalismo promove o gozo rápido, o desejo como satisfação imediata. Mas na psicanálise, o desejo verdadeiro envolve falta, espera, risco, deslocamento.
Quando tudo precisa ser rápido e eficaz, o amor — que precisa de tempo, espaço e elaboração — entra em crise.
Na linguagem lacaniana: o capitalismo tenta abolir a falta, mas o amor só existe porque falta algo.
4. A mercantilização dos vínculos
Apps de relacionamento transformaram o amor em escolha por catálogo. A lógica é simples:
- Swipe para o que não serve;
- Dê like no que promete mais;
- Mantenha sempre uma opção “melhor” na fila.
Isso gera o que Bauman chamou de amor líquido: relações frágeis, superficiais e descartáveis. O sujeito não está em busca de laço, mas de autovalidação constante.
É o amor para ser visto amando, não para viver o amor.
5. Como resistir? Repolitizar o afeto
Amar em tempos neoliberais é um ato subversivo.
É possível resistir ao adoecimento amoroso:
- Recuperando a ética do cuidado e da escuta;
- Cultivando vínculos que não obedecem à lógica da produtividade;
- Apostando no não saber do amor, em vez da certeza da eficiência;
- Entendendo que o amor é trabalho de linguagem, e não de controle.
Repolitizar o afeto significa recusar a mercadoria afetiva e reabrir espaço para o encontro — mesmo com suas falhas, frustrações e limites.