“Se você se esforçar o suficiente, vai conseguir.”
Essa frase, aparentemente motivacional, é um dos pilares do discurso meritocrático. Ela carrega a promessa de que o sucesso é fruto exclusivo de mérito pessoal, dedicação e disciplina.
O problema é que, na prática, essa narrativa esconde as desigualdades estruturais e transforma fracassos coletivos em culpas individuais.
O que é a meritocracia?
A meritocracia é apresentada como um sistema justo, no qual posições e recompensas são distribuídas de acordo com o talento e o esforço de cada um.
Em teoria, parece irrefutável: quem trabalha mais, merece mais.
Mas na realidade social e econômica, ponto de partida, acesso a recursos e redes de apoio têm um peso muito maior que a vontade individual.
Por que é um mito
O mito da meritocracia funciona como um discurso ideológico: ele legitima desigualdades ao fazer parecer que quem está no topo chegou lá apenas por esforço, e quem ficou para trás não se dedicou o bastante.
Essa lógica:
- Ignora o impacto de fatores como classe social, raça, gênero e território;
- Invisibiliza barreiras estruturais;
- Naturaliza privilégios herdados como se fossem fruto exclusivo de mérito.
Adoecendo pelo esforço
A ideologia do esforço infinito não apenas distorce a realidade — ela adoece.
Do ponto de vista psicanalítico, o Supereu produtivista capitaliza o discurso meritocrático para exigir sempre mais.
Trabalhar duro deixa de ser um meio de sustento e passa a ser prova de valor pessoal.
E o que acontece quando, mesmo se esforçando, o resultado não vem?
- Culpa: a sensação de falha moral por não atingir metas;
- Vergonha: medo de expor fracassos em uma cultura que idolatra vencedores;
- Exaustão: jornadas intensas sem garantia de retorno;
- Autoexploração: transformar cada minuto livre em “oportunidade” de produzir mais.
Quando a exceção vira regra
Para sustentar a narrativa, o mito da meritocracia se apoia em histórias de “vencedores improváveis” — pessoas que teriam superado todas as dificuldades apenas com esforço.
Mas esses casos são exceções transformadas em regra para justificar um sistema que, na verdade, mantém a maioria em posições de desigualdade.
O custo subjetivo da mentira
Ao responsabilizar exclusivamente o indivíduo pelo próprio destino, a meritocracia transforma injustiça social em problema psicológico.
Isso produz uma solidão existencial: a pessoa não pode culpar o sistema sem parecer “vitimista”, nem admitir cansaço sem parecer “fraca”.
O resultado é um sofrimento silencioso, que se disfarça de fracasso pessoal.
Alternativas ao mito
Romper com a lógica da meritocracia não significa abandonar a importância do esforço ou da dedicação, mas reconhecer que eles não são os únicos determinantes do sucesso.
Isso implica:
- Admitir que igualdade de oportunidades é uma construção, não uma realidade dada;
- Criar políticas públicas que reduzam disparidades de acesso;
- Valorizar trajetórias diversas, não apenas as que se encaixam no modelo vencedor.
Conclusão – O peso de um discurso
O mito da meritocracia é sedutor porque oferece uma narrativa simples em um mundo complexo.
Mas, ao ocultar as estruturas que limitam a vida de milhões, ele transforma esforço em armadilha e desempenho em identidade.
Desconstruir essa narrativa é também um passo para curar a culpa coletiva e abrir espaço para outras formas de justiça social.
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