Por que a psicanálise é uma ferramenta fundamental para entender o racismo estrutural?

Muito se fala sobre racismo estrutural a partir da sociologia, da história e da política. Esses campos são, sem dúvida, fundamentais para compreender como o racismo se organiza, se perpetua e se renova nas instituições. Mas existe uma dimensão silenciosa e, ao mesmo tempo, poderosa que sustenta essas práticas: o inconsciente. É nesse ponto que a psicanálise se mostra uma ferramenta indispensável para aprofundar a crítica ao racismo, revelando como ele se infiltra nos desejos, nos afetos e nas formas de subjetivação.

O racismo além das instituições: a dimensão psíquica

O racismo estrutural não se limita a leis injustas, políticas de exclusão ou desigualdade econômica. Ele também se inscreve nos corpos e nas mentes. Expressões cotidianas, piadas, medos e fantasias revelam como o inconsciente participa da reprodução do racismo.

A psicanálise, desde Freud, nos ensina que o sujeito não é senhor de si mesmo: nossas escolhas, sentimentos e até preconceitos são atravessados por conteúdos inconscientes. Isso significa que combater o racismo exige mais do que políticas públicas — é preciso também desvelar os mecanismos psíquicos que sustentam a exclusão.

A contribuição de Frantz Fanon: psicanálise e colonialismo

O psiquiatra e filósofo Frantz Fanon foi um dos pioneiros em articular psicanálise e racismo. Em obras como Pele Negra, Máscaras Brancas, Fanon analisa como o colonialismo não apenas dominou territórios, mas também colonizou a subjetividade.

Para ele, o racismo não é apenas uma ideologia externa, mas algo que atravessa a constituição do sujeito. O olhar colonial cria sentimentos de inferioridade no colonizado e de superioridade no colonizador, instaurando um jogo psíquico que perpetua desigualdades mesmo após o fim formal da colonização.

O inconsciente e a repetição do racismo

O racismo estrutural persiste porque ele não é apenas uma construção racional, mas também um sintoma que retorna. Assim como os sintomas neuróticos descritos por Freud, o racismo insiste, reaparece sob novas formas, se adapta às transformações históricas.

A psicanálise ajuda a compreender como fantasias inconscientes — como o medo do “outro” ou a idealização de uma identidade “pura” — alimentam práticas sociais discriminatórias. O racismo, nesse sentido, não é apenas um problema social, mas também uma formação do inconsciente coletivo.

A psicanálise no diálogo com pensadoras e pensadores do Sul Global

Autoras brasileiras como Lélia Gonzalez e Neusa Souza ampliaram esse diálogo ao pensar a psicanálise a partir da experiência negra. Gonzalez cunhou o termo amefricanidade e mostrou como o racismo no Brasil atravessa a linguagem, os hábitos culturais e até a clínica psicanalítica. Já Neusa Souza, em Tornar-se Negro, analisou como o racismo impacta a formação subjetiva de pessoas negras, gerando marcas psíquicas profundas.

Essas leituras são fundamentais para compreender que a psicanálise não deve ser vista apenas como uma teoria europeia, mas como um campo vivo, capaz de dialogar com as realidades coloniais e pós-coloniais.

Conclusão: por uma clínica e uma política antirracista

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Entender o racismo estrutural pela psicanálise é reconhecer que o preconceito não se combate apenas com leis ou políticas de reparação, mas também com uma transformação subjetiva. É necessário desmontar as fantasias inconscientes que alimentam a segregação e construir novas formas de relação com o outro.

A psicanálise, quando colocada em diálogo com pensadores como Fanon, Mbembe, Lélia Gonzalez e tantos outros, pode se tornar uma ferramenta potente de crítica e de libertação. Ela nos mostra que o racismo é tão estrutural quanto psíquico — e que combatê-lo exige tanto ação política quanto trabalho no inconsciente.

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