A moralidade moderna, com seus discursos sobre bem e mal, virtude e pecado, parece algo natural e universal. Mas será que de fato é? Para Nietzsche, em A Genealogia da Moral, esses valores não nasceram de um consenso humano sobre o que é justo, mas sim de relações históricas de poder. E, no centro dessa formação, está o cristianismo — responsável por consolidar um regime moral baseado na culpa, na obediência e na submissão. A questão que Nietzsche nos lança ainda ecoa hoje: será que continuamos reféns dessa herança?
A origem histórica da moral
Para Nietzsche, a moral não é algo dado, eterno ou transcendente. Ela tem uma história, e é preciso investigá-la criticamente — eis a proposta de sua genealogia. Diferente de uma busca pelas “essências”, Nietzsche quer mostrar como valores morais surgiram em contextos específicos e foram impostos sobre os indivíduos.
O cristianismo, nesse percurso, aparece como um ponto de virada decisivo. Ele institui uma moral dos “fracos”, que transforma ressentimento em virtude, castigando a força e celebrando a obediência.
Culpa, ressentimento e poder
Segundo Nietzsche, a noção de culpa foi uma das armas mais poderosas do cristianismo. O sujeito é constantemente lembrado de sua falha, de seu “pecado original”, de sua dívida para com Deus. Essa lógica não emancipa, mas aprisiona.
A moral cristã internaliza a violência: em vez de punir o inimigo externo, o sujeito volta sua agressividade contra si mesmo. Surge daí o ressentimento, esse afeto que alimenta tanto a autopunição quanto o desejo de submissão. O resultado é uma forma de dominação política e espiritual extremamente eficaz.
E hoje? A persistência da culpa cristã
Vivemos em sociedades cada vez mais seculares, mas os mecanismos da moral cristã continuam ativos. A lógica da dívida, do arrependimento e da autoacusação aparece em vários âmbitos:
- No trabalho: o culto à produtividade e a sensação de nunca ser suficiente.
- Na política: discursos que culpabilizam os mais vulneráveis por sua própria condição.
- Na vida íntima: a vergonha diante do desejo, do prazer e da diferença.
Ainda que não frequentemos igrejas, muitas vezes reproduzimos inconscientemente essa lógica de obediência e autopunição.
Nietzsche como convite à transvaloração
A crítica de Nietzsche não é um convite ao caos, mas à liberdade criadora. Romper com a moral da culpa significa abrir espaço para uma transvaloração dos valores: criar novas formas de viver que não se baseiem na negação da vida, mas em sua afirmação.
Isso exige coragem para abandonar a segurança da obediência e se lançar na incerteza da criação. É um convite a pensar a ética não como submissão, mas como potência.
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