Além-do-homem: Tornar-se o Que Se É

Para onde ir depois da morte de Deus? Como viver quando os valores tradicionais ruíram? Para Friedrich Nietzsche, a resposta está na figura do além-do-homem (Übermensch), apresentada em sua obra “Assim Falou Zaratustra” (1883-85).

O além-do-homem não é um ideal distante ou uma utopia religiosa. É um projeto existencial: a superação do homem tal como o conhecemos, preso à moral do ressentimento, ao medo da vida e à dependência de valores transcendentais.

Neste artigo, vamos explorar o que significa essa ideia, como ela se relaciona com o “tornar-se o que se é”, e por que ela continua sendo um convite filosófico poderoso.

O que é o além-do-homem?

Nietzsche apresenta o além-do-homem como a figura daquele que supera o homem — entendido não biologicamente, mas como o ser moldado pela tradição ocidental, pela moral cristã, pelo niilismo e pela negação da vida.

Como ele escreve:

“O homem é uma corda estendida entre o animal e o além-do-homem: uma corda sobre o abismo.”

O além-do-homem é, assim, aquele que:

  • Rompe com os valores herdados.
  • Assume a responsabilidade de criar novos valores.
  • Afirma a vida em sua totalidade, com todas as suas dores e alegrias.
  • Vive sem precisar de uma justificativa metafísica, religiosa ou moral.

Não é um super-homem

É importante esclarecer que o termo alemão Übermensch não deve ser confundido com a tradução vulgarizada como “super-homem”, no sentido de um ser superior, tirânico ou biologicamente aprimorado.

Nietzsche não propõe um ser mais forte fisicamente ou mais inteligente, mas um ser mais livre, mais criativo, capaz de inventar seus próprios modos de vida.

O além-do-homem não domina os outros: ele domina a si mesmo, tornando-se quem é, sem ilusões ou ressentimentos.

A crítica ao homem

Para entender o além-do-homem, é preciso compreender a crítica que Nietzsche faz ao homem moderno, caracterizado por:

  • Dependência de valores exteriores: Deus, moral, Estado, tradição.
  • Ressentimento contra a vida, transformando sua fraqueza em virtude.
  • Apego a ideais transcendentes, como a verdade absoluta, a bondade incondicional ou a justiça universal.

O além-do-homem é, portanto, aquele que rompe com essas dependências e assume a vida como ela é: finita, contingente, trágica e, justamente por isso, bela.

Tornar-se o que se é

Nietzsche sintetiza essa ideia na frase: “Torna-te quem tu és!”.
Esse imperativo não significa descobrir uma essência escondida, mas, ao contrário, assumir a existência como um processo criativo e afirmativo.

Tornar-se quem se é implica:

  • Romper com a moral do rebanho, que valoriza a obediência, a conformidade e a renúncia.
  • Cultivar a singularidade, a potência, a capacidade de criar novos valores e sentidos.
  • Viver de modo a afirmar a própria existência, sem culpas ou arrependimentos.

Não se trata de buscar a perfeição, mas de realizar a plenitude da potência vital de cada um.

O além-do-homem e o eterno retorno

A figura do além-do-homem está ligada ao conceito de eterno retorno: a ideia de que devemos viver como se estivéssemos dispostos a repetir nossa vida infinitamente, exatamente como ela é.

O além-do-homem é aquele que afirma esse retorno, que diz “sim” à vida, sem recorrer a promessas de redenção ou a esperanças metafísicas.

Ele não precisa de outro mundo: é capaz de transformar este mundo em obra de criação.

O desafio da superação

Nietzsche sabe que essa superação não é simples nem garantida. Ela exige uma profunda coragem para:

  • Romper com os valores estabelecidos.
  • Enfrentar o abismo do niilismo.
  • Assumir a solidão e a responsabilidade pela criação de novos modos de vida.

Por isso, o além-do-homem não é um “dever moral” imposto a todos, mas um desafio existencial para aqueles que recusam viver presos ao ressentimento e à negação da vida.

Além-do-homem hoje

Embora tenha sido formulado no século XIX, o conceito de além-do-homem continua atual. Ele ressoa em debates contemporâneos sobre:

  • A autonomia frente às normas e tradições.
  • A invenção de novas subjetividades, especialmente nas lutas feministas, queer e anticoloniais.
  • A recusa de modelos únicos e universais de existência.

Em tempos de crise de valores e de incertezas sobre o futuro, Nietzsche nos convida a não esperar pela salvação, mas a assumir a tarefa difícil e bela de criar novos caminhos.

Conclusão: um chamado à criação

O além-do-homem não é um destino pré-determinado, nem uma essência a ser descoberta. É uma meta ética e existencial: transformar a própria vida em um processo contínuo de superação, invenção e afirmação.

Nietzsche nos desafia: que cada um se torne quem é, não como quem cumpre um papel ou segue um modelo, mas como quem cria a si mesmo, consciente de que a vida é o único palco onde isso pode acontecer.

Tornar-se além-do-homem é, no fim das contas, o maior gesto de liberdade: não ser fiel a valores impostos, mas ser fiel à própria potência criadora.

Se quiser, posso complementar este artigo com um texto sobre o niilismo ou uma análise da relação entre o além-do-homem e as artes. Quer que eu desenvolva algum deles?

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