Vivemos cercados por promessas de sucesso, produtividade e realização pessoal. Mas, paradoxalmente, quanto mais nos dedicamos ao trabalho, mais sentimos que ainda falta algo.
A sensação de “estar sempre em dívida” com metas, prazos e expectativas tornou-se quase universal. Esse é um dos sintomas centrais do que podemos chamar de ansiedade capitalista — um estado psíquico em que a pressão para produzir não conhece descanso.
A lógica do “sempre mais”
O capitalismo contemporâneo não se contenta em explorar a força de trabalho; ele captura também o tempo livre, a atenção e até o desejo.
Hoje, não basta ser um bom profissional — é preciso ser excepcional, inovador, apaixonado pelo que faz e, de preferência, manter um perfil inspirador nas redes sociais.
O resultado? Uma corrida infinita em que não há linha de chegada. Cada meta cumprida abre espaço para outra, mais alta e mais exigente.
Do trabalho como meio ao trabalho como identidade
Historicamente, o trabalho foi visto como um meio para garantir sustento e dignidade. Mas nas últimas décadas, ele passou a ser o centro da identidade.
Perguntamos “o que você faz?” antes mesmo de saber “quem você é”. E quanto mais nos identificamos com a função que exercemos, mais vulneráveis ficamos às oscilações do mercado e às exigências de desempenho.
Se não somos “suficientemente produtivos”, não é apenas o emprego que está em risco — é a própria autoestima.
O papel do Supereu na ansiedade capitalista
Do ponto de vista psicanalítico, essa dinâmica é alimentada por um Supereu hiperprodutivista — uma voz interna que não diz apenas “trabalhe”, mas “trabalhe mais, melhor, sem parar”.
A ironia, como lembra Freud, é que o Supereu nunca se satisfaz: quanto mais obedecemos às suas ordens, mais ele exige. No capitalismo, isso se traduz no ciclo interminável de metas, comparações e autoexploração.
Quando o descanso vira culpa
O descanso, nesse contexto, deixa de ser direito e se torna suspeito. Quantas vezes você já pensou, em um domingo à tarde: “eu poderia estar aproveitando esse tempo para adiantar algo”?
A cultura da performance transforma até o lazer em oportunidade de produtividade — viagens para “networking”, cursos no tempo livre, leituras “aproveitáveis” para o trabalho.
Descansar de verdade passa a ser quase um ato de resistência.
As consequências psíquicas
A ansiedade capitalista não é apenas uma metáfora. Ela se manifesta no corpo e na mente:
- Insônia — dificuldade para desacelerar antes de dormir;
- Exaustão emocional — sensação de esgotamento constante;
- Síndrome do impostor — convicção de que nunca se está “à altura”;
- Perda de sentido — desconexão entre o que se faz e o que se acredita.
Esses sintomas não são falhas individuais, mas expressões de um modo de produção que coloniza a subjetividade.
Caminhos de resistência
Não existe fórmula mágica, mas algumas estratégias ajudam a desarmar essa engrenagem:
- Revalorizar o ócio — entender que o não fazer também produz vida e criatividade;
- Redefinir sucesso — adotar métricas pessoais, não apenas corporativas;
- Praticar a desconexão — estabelecer limites claros para o uso de dispositivos e redes;
- Cultivar outros pertencimentos — investir em comunidades, projetos e relações que não estejam vinculados à lógica produtiva.
Conclusão – Por um tempo que seja nosso
No capitalismo, o trabalho tende a ocupar todo o espaço possível. A ansiedade que isso gera não é sinal de incompetência, mas de que estamos inseridos em um sistema que mede valor humano por desempenho.
Resistir, aqui, é recuperar a possibilidade de existir para além da utilidade. É lembrar que não somos apenas o que produzimos, e que, às vezes, o suficiente não está em fazer mais, mas em poder parar.
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