No senso comum, o desejo costuma ser entendido como falta — algo que sentimos quando não temos o que queremos.
Mas para os filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari, essa visão é limitada e, mais que isso, funcional ao sistema capitalista.
Em obras como O Anti-Édipo e Mil Platôs, eles propõem uma ruptura radical: o desejo não é carência, mas força produtiva, capaz de criar realidades, vínculos e modos de vida.
A pergunta que surge é: como pensar o desejo fora da lógica que o capitalismo impõe?
Desejo como produção, não como falta
A psicanálise freudiana clássica via o desejo como algo orientado pela ausência: queremos o que não temos.
Deleuze e Guattari invertem essa lógica — para eles, o desejo é potência afirmativa que não parte da falta, mas da capacidade de produzir.
Desejar, nesse sentido, não é apenas buscar um objeto, mas criar conexões, afetos, modos de existir.
O problema é que o capitalismo aprendeu a explorar essa potência para direcioná-la ao consumo.
A captura capitalista do desejo
O capitalismo não vive apenas da produção material — ele vive da produção e captura de desejos.
Propagandas, narrativas midiáticas e dinâmicas de mercado não apenas oferecem produtos, mas moldam o que queremos, como queremos e até o que achamos que precisamos.
Assim, o desejo é canalizado para manter o ciclo de compra e descarte, gerando uma constante insatisfação: cada realização abre espaço para uma nova demanda.
Máquinas desejantes e fluxos interrompidos
Deleuze e Guattari usam a metáfora das máquinas desejantes para falar da multiplicidade de conexões que o desejo pode criar.
O capitalismo, porém, interrompe e redireciona esses fluxos, estabelecendo “códigos” que limitam a circulação livre do desejo.
Em vez de criar livremente, somos levados a desejar dentro de moldes predefinidos — status, aparência, bens, experiências formatadas.
Desejar é resistir
Pensar o desejo fora da lógica capitalista é recuperar sua capacidade de criar mundos para além do mercado.
Isso não significa negar o consumo por completo, mas deslocar o desejo do eixo da mercadoria para o eixo da vida.
Algumas formas de resistência incluem:
- Cultivar projetos que não visem lucro, mas sentido;
- Criar comunidades baseadas em trocas e não apenas em contratos;
- Investir em práticas artísticas e culturais que subvertam valores dominantes;
- Reconhecer e desconfiar das narrativas que vendem felicidade em embalagens prontas.
O papel da subjetividade
Para Deleuze e Guattari, transformar o desejo implica transformar também a subjetividade.
O sujeito “desejante-capitalista” é treinado para competir, acumular e performar.
O sujeito que rompe com essa lógica abre espaço para um desejo coletivo, múltiplo e compartilhado — algo que não pode ser plenamente capturado por sistemas de controle.
Conclusão – Desejar de outro modo
Fora da lógica capitalista, o desejo deixa de ser um motor de consumo para se tornar um motor de vida.
É um gesto político e existencial: reaprender a desejar é também reaprender a existir de forma menos controlada e mais criativa.
Deleuze e Guattari nos mostram que o desejo é, antes de tudo, potência — e que libertá-lo é condição para imaginar futuros que não se reduzam à repetição do presente.
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