Durante muito tempo, o inconsciente foi pensado como um território íntimo, fechado, separado do mundo. Mas diversos pensadores — da psicanálise à filosofia crítica — mostraram que o inconsciente não vive isolado da sociedade.
Ao contrário: ele é moldado pelas normas, repressões, discursos e estruturas de poder. O desejo, longe de ser puramente espontâneo, é atravessado pela cultura. E por isso, o inconsciente é — e sempre foi — político.
O inconsciente em Freud: repressão e civilização
Para Sigmund Freud, o inconsciente nasce do conflito entre os impulsos pulsionais (principalmente sexuais e agressivos) e as exigências da vida em sociedade. O sujeito internaliza essas proibições sob a forma do superego, formando a base da repressão psíquica.
Em O mal-estar na civilização, Freud mostra como a repressão é o preço que pagamos para viver juntos. Mas o que é reprimido — o desejo — não desaparece: ele retorna como sintoma, fantasia, neurose.
A cultura, assim, produz o sujeito, mas também o adoece.
Reich e Marcuse: crítica à repressão social
Wilhelm Reich foi um dos primeiros a politizar diretamente a psicanálise. Em A Psicologia de Massas do Fascismo, ele argumenta que a repressão sexual serve para produzir sujeitos submissos, que aceitam o autoritarismo.
Herbert Marcuse, por sua vez, propõe uma distinção entre repressão necessária (para a convivência) e repressão excedente (imposta pelas estruturas de dominação). O capitalismo, para ele, canaliza o desejo para o consumo e a produtividade, moldando um inconsciente adaptado.
Nesse sentido, a estrutura da sociedade forma e deforma o desejo.
Deleuze & Guattari: o desejo como força produtiva
Em O Anti-Édipo, Deleuze e Guattari rompem com a ideia de que o inconsciente é uma máquina de reproduzir a família (como no Complexo de Édipo). Para eles, o desejo não nasce no interior do lar — ele é social desde o início.
O inconsciente é uma fábrica, e não um teatro. Ele produz conexões, fluxos, afetos. O capitalismo, então, não apenas reprime o desejo — ele o captura, organiza e explora. O desejo que poderia criar outras formas de vida é desviado para a repetição do mesmo: trabalhar, consumir, obedecer.
O desejo como campo de disputa
Se o inconsciente é político, o desejo não é algo neutro ou privado. Ele é construído e manipulado — pelas normas de gênero, pelas mídias, pelas instituições, pela cultura.
Quem deseja o quê? De que forma? A quem isso serve? Essas são perguntas políticas. O desejo pode servir à dominação, mas também pode ser força de invenção, de subversão, de vida não normatizada.
Conclusão: sonhar é também resistir
Entender o inconsciente como político é romper com a ideia de que a subjetividade se forma apenas no interior do indivíduo. Nossos medos, culpas, sonhos e sintomas são também efeitos do mundo que habitamos.
A crítica não busca eliminar o inconsciente, mas libertar o desejo das amarras que o domesticam, e abrir caminhos para formas de existência menos adaptadas — e mais livres.
Porque não existe desejo apolítico. Toda forma de vida é também uma forma de desejar — e todo desejo contém, em si, um projeto de mundo.