O termo “pós-colônia” costuma sugerir que o colonialismo ficou no passado, como uma etapa superada da história. Mas essa ideia é enganosa. Para muitos pensadores e ativistas do Sul Global, a condição colonial continua operando, mesmo após as independências políticas.
A colonização não foi apenas uma dominação militar ou administrativa. Ela implicou um reordenamento profundo da cultura, do espaço, do tempo e da subjetividade. E muitos desses dispositivos permanecem ativos.
É a isso que se refere a noção de “pós-colônia”: um tempo que não é totalmente pós, nem totalmente colonial, mas um presente marcado pela sobrevivência das estruturas coloniais sob outras formas.
O que é a pós-colônia?
O filósofo camaronês Achille Mbembe, em sua obra “On the Postcolony” (2001), propõe o termo “pós-colônia” para descrever uma situação em que o colonialismo formal acabou, mas seus efeitos se renovam e se reorganizam continuamente.
Na pós-colônia:
- O Estado pode ser “nacional”, mas opera com lógicas herdadas do império.
- A economia é formalmente autônoma, mas segue subordinada a dinâmicas globais neocoloniais.
- As subjetividades seguem marcadas por ideais europeus de valor, beleza, razão e humanidade.
- A história oficial continua a narrar o presente a partir do ponto de vista do colonizador.
A pós-colônia, portanto, não é um “depois” linear da colonização, mas um campo de permanência, conflito e reinvenção.
O presente perpétuo
Mbembe afirma que a vida na pós-colônia muitas vezes se estrutura como um presente perpétuo: um tempo suspenso, em que o passado não passa, e o futuro não chega.
Esse presente perpétuo se manifesta em:
- Governos autoritários que repetem padrões coloniais de violência e clientelismo.
- Cidades que mantêm a segregação espacial da era colonial.
- Sistemas educacionais que continuam centrados na cultura europeia.
- Experiências cotidianas de racismo, desigualdade e desumanização, herdadas da lógica colonial.
Viver num presente perpétuo é estar preso a um tempo que se repete, onde a promessa de emancipação está sempre adiada, e o passado colonial retorna sob novas roupagens.
O mito do “pós”
A noção de “pós-colonial” foi muitas vezes apropriada por discursos que celebram a globalização como superação das fronteiras, ignorando que a assimetria entre Norte e Sul global segue ativa — agora sob a forma de neocolonialismo econômico, tecnológico e cultural.
Como alerta Dipesh Chakrabarty, o tempo moderno ainda é estruturado por uma narrativa eurocêntrica, na qual o Ocidente aparece como “avançado” e o resto do mundo como “atrasado”, esperando alcançar o modelo europeu de desenvolvimento.
Essa cronologia colonial do mundo reforça a ideia de que o Sul está sempre em falta — nunca no tempo certo da história, e sim em um “ainda não”.
Romper o ciclo
Pensadores como Frantz Fanon, Gloria Anzaldúa, Ngũgĩ wa Thiong’o e Boaventura de Sousa Santos insistem que romper com a pós-colônia exige descolonizar o saber, o corpo, o espaço e o tempo.
Isso implica:
- Reescrever a história a partir dos vencidos.
- Afirmar saberes e cosmologias indígenas, africanas, afro-diaspóricas e populares.
- Desmontar as hierarquias raciais e epistêmicas herdadas do colonialismo.
- Inventar novas formas de vida, linguagem, arte e política.
A luta contra o presente perpétuo é uma luta pela imaginação radical de futuros outros — onde o passado colonial não seja esquecido, mas também não determine o horizonte do possível.
Conclusão: nomear o tempo para transformá-lo
Falar em pós-colônia e presente perpétuo é recusar a ilusão de que o colonialismo ficou para trás. É reconhecer que ele persiste — e que, por isso, as lutas de hoje não são apenas “sociais” ou “econômicas”, mas também ontológicas, epistêmicas e temporais.
Transformar o presente requer mais do que reformas: requer reimaginar o mundo fora dos marcos do poder colonial.
Como sugere Achille Mbembe, talvez a tarefa mais urgente do pensamento crítico seja reinventar o tempo — e, com ele, as possibilidades de liberdade, de justiça e de humanidade.