O Que É a Aura? A Obra de Arte Entre a Singularidade e a Reprodução Técnica

Por que sentimos algo especial diante de uma obra de arte original? O que faz com que certos objetos artísticos pareçam únicos, autênticos, insubstituíveis?

Para o filósofo alemão Walter Benjamin, essa sensação está ligada ao que ele chamou de “aura” — um conceito central em seu famoso ensaio “A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica” (1936).

A partir desse conceito, Benjamin não apenas analisa a transformação das artes no século XX, mas também nos convida a pensar sobre como as tecnologias mudam nossa relação com a cultura, com a memória e com o mundo.

O que é a aura?

Benjamin define a aura como a singularidade irrepetível de uma obra de arte, sua presença única no tempo e no espaço, cercada por um “halo” de autenticidade e autoridade.

A aura está ligada a três elementos principais:

  • Autenticidade: a obra é única, tem uma origem específica e um contexto histórico próprio.
  • Distância: há um certo afastamento reverente diante da obra; ela não é acessível a qualquer momento ou lugar.
  • Ritual: tradicionalmente, a arte estava ligada a rituais religiosos ou sociais, o que reforçava sua aura.

Por exemplo, ver a Mona Lisa no Louvre não é o mesmo que ver uma cópia. O valor e a experiência são diferentes, não apenas pelo aspecto visual, mas pela presença autêntica da obra.

A reprodutibilidade técnica: o fim da aura?

Com o advento de técnicas como a fotografia e, depois, o cinema, a arte passa a ser infinitamente reproduzível. Agora, qualquer imagem pode ser copiada, difundida, consumida, muitas vezes sem que se conheça ou se valorize o original.

Segundo Benjamin, essa reprodutibilidade dissolve a aura:

  • A obra deixa de ser única;
  • Perde sua ligação com o ritual;
  • Torna-se disponível a qualquer um, a qualquer hora, em qualquer lugar.

“O que definha na era da reprodutibilidade técnica da obra de arte é sua aura.”
(Walter Benjamin)

Mas atenção: Benjamin não lamenta isso como uma perda trágica. Ele vê aí uma possibilidade histórica nova, que tanto ameaça quanto emancipa.


A politização da arte

Com a dissolução da aura, a arte se democratiza: passa a ser acessível para um público muito mais amplo, rompendo com a elitização tradicional.

Por outro lado, essa arte pode ser usada para diferentes fins:

  • Emancipação: como no cinema soviético, que busca criar uma nova consciência política.
  • Dominação: como na propaganda fascista, que estetiza a política e manipula massas.

Benjamin afirma que, na era moderna, o desafio é:
não estetizar a política, mas politizar a arte.
Ou seja, usar os novos meios técnicos para emancipar e não para dominar.

A experiência estética sem aura: o que muda?

Na era da reprodutibilidade técnica, a relação com a obra muda radicalmente:

  • O espectador não precisa mais viajar para ver uma pintura ou escultura.
  • O cinema cria novas formas de experiência estética — baseadas na montagem, no choque, na reprodução.
  • A fotografia nos permite acessar, armazenar e compartilhar imagens infinitamente.

Porém, essa nova experiência é mais fragmentada, veloz, efêmera. O tempo da contemplação ritualística dá lugar ao tempo do consumo imediato.

Benjamin nos faz perguntar: o que perdemos e o que ganhamos com isso?

E hoje? A aura na era digital

Na era digital, a reflexão de Benjamin se torna ainda mais urgente.

  • Fotos e vídeos são produzidos e compartilhados em larga escala.
  • A “arte” se torna conteúdo: posts, memes, gifs.
  • O valor de mercado é muitas vezes mais importante que o valor estético.

Mas também há um retorno curioso da ideia de aura: com o surgimento de NFTs (tokens não fungíveis), artistas e colecionadores recriam a ideia de “original digital”, tentando devolver autenticidade àquilo que por natureza seria infinitamente replicável.

Assim, a questão permanece:
como atribuímos valor à arte quando ela é, ao mesmo tempo, única e reproduzível?

Conclusão: a aura e a crise da experiência

Walter Benjamin não fala apenas da arte: ele fala da nossa experiência moderna, marcada pela reprodutibilidade, pela aceleração, pelo consumo de imagens.

A “morte da aura” é, em parte, o sintoma de uma mudança mais profunda: a transformação da relação entre humanos, cultura, técnica e política.

Pensar a aura hoje é perguntar:

  • Como nos relacionamos com as imagens?
  • Que tipo de arte queremos produzir e consumir?
  • E, mais profundamente: que tipo de experiência estética e política queremos viver?

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