Vivemos cercados por imagens. Fotografias, vídeos, memes, cópias, versões, remixes. No mundo digital, tudo parece infinitamente reprodutível. Mas o que se perde quando a arte se torna técnica, duplicável, instantânea? O que desaparece quando uma obra de arte não é mais única?
É exatamente essa a pergunta que o filósofo Walter Benjamin se fez ao refletir sobre o impacto das novas tecnologias — como a fotografia e o cinema — sobre a experiência estética. Sua resposta está condensada em um conceito que se tornou central para a teoria da arte no século XX: a aura.
A aura como unicidade e presença
Para Benjamin, a aura é aquilo que torna uma obra de arte única, irrepetível e enraizada no tempo e no espaço. É a sua presença aqui e agora, o “hálito” de sua história, o vestígio de sua tradição, o elo com o ritual que a originou.
Ver um quadro original de Rembrandt, por exemplo, não é o mesmo que ver uma reprodução digital. O original carrega marcas do tempo, da matéria, da assinatura manual. Ele emana uma aura: uma espécie de respeitosa distância, uma experiência contemplativa que liga o observador ao passado da obra.
A reprodutibilidade técnica e o declínio da aura
Com o advento da fotografia e, mais tarde, do cinema, a arte passou a ser produzida e reproduzida tecnicamente. Isso significou um rompimento com a lógica da aura: agora, uma imagem pode ser multiplicada, distribuída, editada, deslocada de seu contexto original.
Benjamin não via isso como uma perda puramente negativa. Pelo contrário: a reprodução técnica democratiza o acesso à arte, rompe com o elitismo dos museus e abre espaço para novas formas de expressão, como o cinema, que ele considerava uma arte verdadeiramente moderna.
Mas isso também tem consequências profundas: a obra de arte deixa de ser um objeto ritualístico e se torna mercadoria ou espetáculo. Sua função muda. A aura desaparece, e com ela, um certo tipo de experiência estética.
Entre política e estética
Benjamin estava atento ao uso político da arte em tempos de reprodutibilidade técnica. Ele percebeu que, enquanto o fascismo buscava estetizar a política (transformando a guerra e o poder em espetáculo visual), a tarefa da arte revolucionária seria politizar a estética: usar as novas mídias para emancipar, questionar, educar.
Nesse contexto, o desaparecimento da aura não precisa significar empobrecimento — pode ser uma oportunidade para reinventar a arte em função da vida coletiva e da crítica social.
A aura no presente: o que resta?
Hoje, com redes sociais, inteligência artificial e realidade aumentada, a lógica da reprodução se aprofundou. As imagens circulam em massa, os filtros substituem a presença, e o “original” muitas vezes nem existe.
E ainda assim, buscamos aura. Procuramos por experiências autênticas, obras que toquem, momentos únicos. O culto ao “artesanal”, ao “vintage”, à “obra original” nos mostra que a nostalgia pela aura ainda vive.
Talvez, como sugere Benjamin, a aura não tenha desaparecido completamente — mas se transformado, migrado, reaparecido em novas formas de sensibilidade.
Conclusão: entre cópia e singularidade
O conceito de aura nos obriga a pensar não apenas o que é arte, mas como a percebemos, como nos relacionamos com ela, e o que esperamos dela. Nos faz refletir sobre o valor da presença, da história, do gesto criador — em um mundo de imagens padronizadas e consumo veloz.
Mais do que opor original e cópia, aura e reprodução, talvez seja hora de perguntar:
como criar experiências estéticas potentes no mundo da repetição?
Como reinventar a aura — não como nostalgia, mas como experimentação?
Walter Benjamin não dá respostas prontas, mas nos oferece um caminho: pensar a arte como campo de tensão entre técnica, política e sensibilidade.